O Que nos dificulta ficar em quarentena e o Pensamento Sustentável.

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Por: João Evangelista

Nesse período de quarentena é muito comum sentir aflição de querer sair de casa por vários motivos.  É o momento de fazer uma reflexão sobre esses sentimentos e o que que eles significam na realidade. Às vezes esse sentimento nem nos pertence e são produzidos socialmente, fazendo com que nós pensamos que eles são fruto da nossa própria vontade. 

O pensamento sustentável baseia-se valores e ideias que promovem ações de impacto positivo na vida. Buscam ver a realidade de forma ativa e construtiva e não fatalista ou apocalíptica. Esse pensamento está conectado à Saúde Mental e ao ODS 3 – Saúde e Bem-Estar.

Algumas pessoas reagem pelo senso comum, não se interessando por questões científicas mas por dogmas políticos e religiosos, que fundamentam uma crença inquestionável no que as suas lideranças dizem. Outras acreditam em fake news, demagogias e manipulações que, de tão bem feitas, parecem realidade.

Existem diversas teorias a esse respeito, mas aqui serão apresentadas apenas algumas a título de ilustração e os pensamentos mais comuns que surgem em tempos de crises. É importante ressaltar que este não é um artigo acadêmico e não tem como objetivo obter validação científica de algum órgão certificador mas abrir uma discussão com pessoas interessadas no tema.

VAMOS MORRER DE FOME.

Para algumas pessoas o maior medo é morrer de fome. O medo da fome faria a pessoa correr qualquer risco, contanto que ela não passasse fome.  Ela poderia até se contaminar e contaminar seus parentes em casos de epidemias pois para ela é imprescindível que todos tivessem acesso aos alimentos.

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O psicólogo norte-americano Abraham Maslow (1908-1970)  elaborou uma teoria conhecida como Teoria das Necessidades Humanas, com o objetivo de compreender o comportamento humano a partir das suas necessidades e interesses. Para ele, as necessidades humanas podem ser organizadas de forma hierárquica e em forma piramidal, destacando o que é mais urgente e imediato na sua base e a evolução desses interesses a partir da satisfação de necessidades que já foram atendidas.

Na base da pirâmide estão suas necessidades mais urgentes relacionadas a fatores fisiológicos como acesso a comida, água, abrigo e ao sustento.

Por esse motivo, em tempos de crise algumas pessoas correm ao supermercados e travam uma verdadeira batalha para comprar o máximo de alimentos e armazenar tudo em estoques particulares. O que justifica esse comportamento é o medo de ter a sua necessidade básica ameaçada mesmo que isso seja de forma ilusória. Só em pensar que poderá passar algum dia por uma situação de privação de alimento, isso causa desespero e desequilíbrio psicológico em relação ao social. A sobrevivência dos seus pares fica em primeiro lugar, mesmo que isso ameace toda uma sociedade. Falar sobre todas as etapas da Pirâmide de Maslow seria muito extenso nesse momento, portanto iremos focar um pouco na questão da base da pirâmide que são as necessidades fisiológicas. Então dependendo do que para a pessoa possa parecer mais conveniente psicologicamente, qualquer que seja o motivo da crise e as recomendações para a população não justifica o fato de ela ter que passar por uma situação de privação. Qualquer regra social que a impede a atingir seu objetivo de conseguir o sustento, não passará de apenas um bloqueio que deverá ser quebrado. Nesse momento os desejos individuais são bem mais levados em consideração do que  a decisão coletiva, mesmo se isso for uma questão de vida ou morte. Vale ressaltar que este comportamento não é gerado conscientemente e ele está sendo gerado até mesmo sem que a pessoa tenha anotado, de forma que a sua reação seja automática em relação a situação externa. Esse assunto se relaciona ao ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável.

A mídia e as propagandas de marketing utilizam muito dessa teoria para gerar necessidades na população. Cada um de nós é atingido por várias estratégias de manipulação psicológica e por esse motivo sentimos essa sensação de desamparo e desespero por não ter como consumir os produtos que estão sendo oferecidos e garantir a sobrevivência da própria família.

TENHO QUE TRABALHAR, NÃO SOU VAGABUNDO

Vamos falar um pouco sobre o ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico. Uma outra sensação muito comum é a de não estar sendo útil ou de não estar trabalhando.  Ela é considerada normal nos finais de semana, feriadão e até mesmo no final de domingo. Essa sensação piora em situações em que não estamos empregados causando depressão e o desespero de não conseguir ser útil. Na nossa vida cotidiana trabalhar intensamente é motivo de orgulho.  Não ter tempo a não ser para questões relacionadas ao trabalho, dá uma sensação de “prazer”, distanciamento de questões mais íntimas ou até mesmo complexos de inferioridade, para se sentir realizado se preenchendo totalmente pelas atividades laborais. Com o advento da tecnologia, a noção de tempo tem mudado nos últimos anos.

Os tempos atuais não são nada parecidos como os tempos de 20 a 30 anos atrás. O ritmo acelerado e a ânsia pelo consumo provocam as doenças mais graves da atualidade: depressão e ansiedade. 

Para explicar isso, vamos falar sobre George Simmel (1858-1918) , o que analisou os aspectos da vida social e psíquica e as alterações através dos tempos principalmente no ambiente urbano.  Ele desenvolveu um método de análise chamado de microssociologia, que observa as pequenas manifestações individuais nos seus aspectos de fenômenos sociais. Para ele, quando o indivíduo entra no ritmo das relações sociais de trabalho e as suas regras extremamente aceleradas para atender as demandas da produtividade, o indivíduo passa a ter comportamento social controlando os seus comportamentos individuais e fazer com que cada vez mais ele esteja acelerado e impessoal. Simmel  denominou esse conceito de intensificação da vida nervosa no qual as pessoas se sentem expostas a estímulos da vida produtiva que acaba atingindo psicologicamente cada um. De certa maneira, as pessoas acabam criando um vício pelo mundo do trabalho e outras áreas da vida são colocadas em segundo lugar ou até mesmo diz consideradas. Os indivíduos que não estão socializados por este mundo dinâmico e acelerado do mundo do trabalho e sentem desconectados com tudo e muitas vezes desenvolvem doenças relacionada aos nervos, tensões e surtos.

Quando o ritmo de trabalho acelerado é interrompido, as pessoas podem sentir ausência do vício de se manter ocupado e isso causa um imenso estresse. Por isso que em épocas de crises econômicas e quarentena se as pessoas se sentem depressivas e angustiadas buscando qualquer forma de ocupar o seu tempo sem ter que encarar as suas questões individuais  de desenvolvimento pessoal.

No fundo é uma fuga de si mesmo,  a sua personalidade íntima ficou perdida na impessoalidade do mundo do trabalho. É preciso resgatar esse eu interior que ficou perdido nas agendas e compromissos cotidianos das obrigações trabalhistas.

VAMOS PERDER TUDO

O que também cria tanto desespero são os fatores econômicos.  E isso está relacionado ao ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis. Perder tudo o que conseguiu até agora não é pior do que perder tudo que se sonhou no futuro. Para algumas pessoas a esperança de ter um futuro de riqueza e de poder é mais importante do que a vida no agora. O que justifica a viver é a conquista de um futuro de prosperidade e muita riqueza,  mesmo que o agora seja sacrificado e desprezado. algumas situações como a convivência familiar e o diálogo com os filhos não são tão importantes quanto aos negócios que poderão dar muito dinheiro no futuro.

O consumo e o empreendedorismo é uma coisa muito boa e promove o desenvolvimento da nossa sociedade. Novos produtos e a nova tecnologia cada vez mais facilitam a nossa convivência e também conseguem enfrentar os desafios apresentados para sobrevivência humana.  Além disso, o esporte e lazer é muito importante para nossa saúde mental. A produção criativa e o consumo de arte também são muitos benéficos para o nosso bem-estar.

O problema é quando o consumo se torna uma obsessão e também a acumulação compulsiva, trazendo consigo um pensamento egoísta de exclusão dos pobres e acumulação de riqueza para os ricos e para os que pretendem ficar ricos.

A nossa sociedade de consumo é que está estruturada de forma equivocada e isso foi identificado por Walter Benjamin (1892-1940). Ele observa que a modernidade trouxe uma nova forma de sociedade de consumo e divisão das classes sociais.

A nossa sociedade de consumo é que está estruturada de forma equivocada e isso foi identificado por Walter Benjamin (1892-1940). Ele observa que a modernidade trouxe uma nova forma de sociedade de consumo e divisão das classes sociais. Ele destaca que a propaganda foi uma forma de criar um vício para o consumo e a mídia como estratégia de envolver pessoas para que elas se sentissem totalmente dominadas por essa sociedade consumista. De um lado cria-se a liberdade de consumir novos produtos, avanços tecnológicos que facilitam a nossa vida. De outro a exclusividade de acesso para consumir, valorizando ainda mais os produtos e tornando, além de desejados, uma forma de ter destaque social ou exibir uma vida de ostentação ilusória. Por esse motivo que as propagandas de carros e celulares fazem mais sucesso do que de livros.

Para Benjamin, não existe somente o espetáculo da sociedade de consumo mas também a sociedade do espetáculo da política. Não importa mais as ideologias e o projeto político envolvido nisso mas sim a encenação do espetáculo democrático da política no qual quem mais aparece e quem mais utiliza uma boa imagem tem a confiança da população.

A política torna-se um produto a ser embalado e consumido pelo seu cliente que é o eleitor. Seduzido pelo espetáculo do seu grupo político, o eleitor passa a ser obediente cego e fiel a tudo que se é proposto, mesmo que perca seus direitos ou a sua própria vida. A promessa de um futuro utópico, idealista e muitas vezes com influência  religiosa, faz com que os eleitores esqueçam das necessidades do agora em troca do futuro prometido, geralmente de riqueza e poder. Com a promessa do futuro promissor, o presente se apaga. E o tratamento de imagem e a mídia podem fazer isso muito bem. Com uso de tecnologias avançadas, por meio de vídeos e eventos com efeitos especiais, facilmente pode-se convencer multidões que um novo messias high tech veio trazer a salvação. Nem precisa falar, a imagem e a promessa do sonhado futuro convencem por si próprias.

Ekhart Tolle, em sua obra O Poder do Agora, disse que em situações da nossa vida onde haja uma ameaça pode ocorrer naturalmente uma mudança de consciência do tempo para o momento presente. Nesses momentos a consciência do momento do presente se torna o foco e se distancia das preocupações relacionadas ao passado e ao futuro.

Para Ekhart Tolle, o futuro é um agora imaginado, uma projeção da mente. Quando o futuro acontece, acontece com você agora e quando pensamos sobre o futuro fazemos isso no agora.

Nesse sentido, é importante nos concentrarmos no momento presente, de acordo com que precisamos no presente para ter reflexos no futuro. Se existem orientações a serem seguidas para a nossa segurança e das pessoas no presente, é absolutamente preciso fazer isso no agora, e não ficar lamentando o passado que não mais existe e nem sofrendo por um futuro que ainda não existe.

O agora é a solução para o agora. A consciência da situação presente e o que deve ser feito na ação presente. É preciso parar para pensar e viver no agora.

O Pensamento Sustentável nasce do conhecimento de si mesmo, entendendo seus padrões de pensamento e reconhecendo as mudanças necessárias para o seu desenvolvimento humano, econômico, social e ambiental. Esse pensamento corresponde a essência de todos os ODS.


2 comentários

Maria da Conceição Faheina de Oliveira · Abril 15, 2020 às 3:24 pm

Excelentes reflexões. Foi muito util para mim, vou repassar para outros grupos

    admin · Abril 17, 2020 às 7:04 pm

    Obrigado pela resposta.

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